«Da
janela sobranceira à estrada, o velho fita a melancolia das árvores, a
aspereza rude do tempo e sorri. Sorri ausente, de um outro tempo, de
outras árvores, também elas açoitadas, também elas derrubadas: árvores
esguias, esqueléticas, carcomidas por eras e eras de desolação, árvores
orgulhosas vencidas.
Essas árvores perfilam-se agora no seu patético devanear de velho, como
fantasmas.»
... / ...
«Às
vezes, pensa que gostaria simplesmente de deixar de ser, que gostaria de
apagar-se como uma lâmpada que de súbito se funde. Porque,
verdadeiramente, talvez a vida nunca tenha sido nada de real, não tenha
sido mais do que uma ilusão. Apenas a consciência
disso era real, estava
ali, doía. Doía no sentido em que era como uma voz dizendo: Velho tonto, não passas de uma ilusão. Não és mais do que o pensamento de um deus
entediado que brinca com o tempo e que te pensa tal como... »
...
/ ...
«A chuva
esbate as casas e as árvores, os caudais galgam os caminhos e rasgam as
estradas abandonadas e o velho sorri, olhando este borrão de tempo com
uma indiferença abissal.
–
Hoje –
disse alto –, uma vez mais, falta o sentido para tudo, até para o meu
devanear de velho. Nada faz sentido: nem o tempo, nem eu, nem o que o
tempo fez de mim. Um espectador irónico da suprema ausência. Esta,
mesmo. A ausência do sentido.»
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Comentários sobre o livro
Do
Tempo e
Outros Velhos
feitos por alguns leitores:
Comentário de
Elvira
Tavares (Foz Côa)
Do Tempo e outros velhos
O que me apraz dizer:
Em primeiro lugar, quero dar os parabéns à Edium
Editores pela excelente encadernação e qualidade do papel. A
capa nostálgica entendi-a como a janela para o vocabulário
bucólico, campestre, para a afinidade/dualidade Tempo/Velho.
Destaco um fino travo a filosofia, com perguntas,
respostas, hipóteses...
Prendi-me a estas passagens:
«Há uma planície velha como o tempo, por onde cavalga o vento e
o sol derrama como mel [...] », « sem dúvida, até já nós
duvidamos do tempo, e dizemos muitas vezes, anda tudo maluco,
até o tempo. O tempo fora de tempo».
Apenas acrescento que vai pelo caminho certo e o
meu prognóstico está cada vez mais certo.
Um abraço enorme.
Comentário de
Ana
Ludovino (Vila Nova da Barquinha)
Ontem à tarde, assisti à apresentação… são dois livros que,
desde logo, nos cativam pela beleza das imagens que ilustram as
suas capas e pelos magníficos títulos: De névoa e de vento
(contos) e Do Tempo e Outros Velhos (prosa poética). Este
último despertou imediatamente a minha frenética paixão pela
leitura (não resisti e comecei a lê-lo ainda durante a
apresentação!).
A prosa poética é um género fascinante, pois é prosa na sua
forma, mas poesia na sua essência, nos sentimentos que
transmite… e é essa mescla de sentimentos que conquistam a nossa
atenção desde as primeiras palavras. Aconselho vivamente a sua
leitura! Continuação de muito êxitos, Emílio!
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